quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

MALVINA

Por que era sábado, Leôncio não podia ter entrado, mas lá estava ele já com o umbigo e os cotovelos pregados no balcão do bar. Saira cedo de casa para comprar pão, leite, jornal e cigarros. Passara reto pela porta da padaria e foi direto para o bar de onde saira no dia anterior, tarde, completamente bêbado, tocado pelos safanões da sua mulher, Malvina, que esbravejava:


- sujeitinho imprestável, não posso confiar mais neste desgraçado, bebum safado...


Leõncio estava completamente a mercê do mal etílico, apenas sorria e cambaleava, seguia, mas parando de poste em poste para tomar fôlego e vomitar. A mulher reclamava, vizinhos faziam chacota na sua passagem, parentes e amigos a incentivavam...


- Largue esse desgraçado de vez Malvina. Tu merece coisa melhor...


Mas como tinham doze filhos para criar, aguentava, era aquela a sua sina; oito meninos e quatro moças donzelas, uma aos treze, grávida. Típica família segurada, com os beneplácitos do governo, assim constituída para obter com fartura a famigerada Bolsa Preguicite Família.


Na rua e na casa onde moravam todos só tinham coragem de atiçar por que sabiam dele ébrio, uma dama, jamais quando sóbrio, Leóncio era um ‘carnegão de furúnculo’ de se aturar. Se dizia protegido dum deputado por causa duns servicinhos feitos; humm!. Mas naquelas péssimas condições, era um cu sem dono... a mulher jogava-o na cama e o sujeito desmaiava até o dia seguinte, mas acordando cedo por que era sábado.


Volto onde comecei...


Depois desse dia nunca mais levou pão e leite pra casa, o jornal virou cama e coberta, e cigarro somente em guimbas, pedidas ou catadas... Daí em diante; bêbado, mais bêbado do que nunca, quando não, caído na sarjeta, faziam dois dias; o que chamou a atenção dos frequentadores assíduos do bar. Viam-no naquele estado;


- E aí Leôncio, queres uma ajuda até a sua casa. Ele só balbuciava:


- amando, Malvina, amando, Malvina, amando, Malvina...


Nisto passa a mulher, uma morena ainda gostosa apesar daquele rosário de filhos, e pára;


- A que ponto tu chegou heim Leôncio... um trapo... Se ao menos tu ainda desse no couro, te salvava...


Um que observava a cena há algum tempo mas sem querer interfirir, mas já interferindo diz:


- Quando a paixão leva o cara pra bebida, é uma merda...


- Olha senhora; ele diz estar ‘amando Malvina’...


- Que amando que nada, eu sou a Malvina, ex-mulher deste aí. Ele está assim a meu mando. Mandei-o pra fora de casa...


Deu de costas e se foi sem olhar para traz.


Leôncio viveu mais vinte anos, dizem que morreu de cirrose hepática, acho...ou foi dengue. Porra, o que interessa isso; mais vinte anos enchendo a cara... deve ter morrido feliz.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

DÈMODÉ

desde os primórdios o instinto animal do homo, já sapiens, no convívio com os carnívoros irracionais aprendeu a matar para defender-se e alimentar-se.
pensemos; não houve mudanças desta prática, é certo, mas não justifica nesta contemporaneidade;
amar e depois matar... comer, fartar-se e depois descartar... há até quem já fez uso de animais para apagar vestígios da carcaça. mas não me venham falar de suicídio para livrar o culpado da pena pelo crime cometido. a vida de mais uma menina foi ceifada. quer-se, o mínimo; que haja rigor nas investigações.
são injustificáveis diligências e conclusões periciais superficiais, quando que hoje para estes casos se tem meios tecnológicos modernos para detectar com precisão a ‘causa mortis’ de Jeniffer, não cabe mais o prevalecimento gerador mor das injustiças, para o favorecimento de quem quer que seja, prevalência de classe social e ou importância política do criminoso. isto hoje é totalmente démodé, e vergonhoso numa sociedade globalizada!

" o suicídio(?) da modelo Jeniffer Venturini, em Portugal"

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

HOMENS, PRETEXTOS VAZIOS



De todas as manias que eu tenho, tenho uma mania que eu não sei de quem herdei, que é de frequentar bares de quinta categoria; e como gosto. ‘Pé sujo’ é assim que chamamos carinhosamente esses redutos Cariocas cheios de energias verdadeiras, de gentes verdadeiramente despretensiosas de orgulhos, nunca metidos a bestas. Aliás; gentes finas no sentido refinado da palavra são insuportáveis, chegam na ‘roda’ se autopromovendo demais, com uma retórica ‘chata’ e repetitiva demais e quando discursam, enlameiam qualquer conversa livre boa; aí haja ouvidos. Revertem, desmancham, vilipendiam as coisas simples, as gentes simples e as palavras simples donde nascem às grandes ideias, as quais se costumam abraçar para o passo a frente no cotidiano; o próprio ou do próximo, sem mania de altruísmo. E não há como se conter a presença nefasta desses indivíduos, seja em qualquer lugar; num site, por exemplo, e o que ajuda bastante, é quando o recinto é restrito, sem platéia, sem refletores e purpurinas, menos ainda num bar pé sujo, onde que; as cabeças pensantes dos frequentadores habituais são muito abertas e não entram no jogo sujo das palavras, nem das ideias retrógradas, são gentes grandes desprovidas de altivez barata, e que rebuscados; bastam os ladrilhos do chão e os azulejos importados a mais cem anos, o rococó da base do balcão com tampo de mármore trincado, as sancas de gesso e estuque do teto e o ventilador de parede com um terço da velocidade, desgastado pelo uso intermitente ao longo dos anos, e que já não espantam nem mais as moscas. Coisas das antigas e necessárias, aceitas, mas as únicas que inspiram confiança, por isso suportável. Assim como; recompensa e me alegra sobremaneira a presença de algumas modernidades, o que é inevitável. E contrastando com tudo isso, e que me faz desviar desses detalhes costumeiros, é a presença estática porém festiva para os meus olhos do freezer vertical marcando no termômetro 0º suprido de ampolas nevadas, e, uma asseada e iluminada vitrine elétrica, suada e abarrotadas de tira-gostos de aparência honesta e identidade duvidosa, mas que a galera saboreia lambendo os beiços, e eu também, claro, depois de uns goles de cachaça, da pura, e das cervejas geladas servidas no copo americano. Pureza é imprescindível para o bom nome de um lugar, mas só ela mesmo, a cachaça, confere a ele esse status. E como em todo lugar honesto e puro, há a presença de coadjuvantes e que se fazem notar; como o gato angorá a rosrosnar debaixo da mesa, e a procedência do portuga, visto a bandeira lusa pregada na parede, do proprietário do estabelecimento, que apesar de poucas falas e não aceitar brincadeiras nem gozações é amabilíssimo, uma raridade, por isso cativa-me ter uma frequência assídua, eu e os meus amigos, gentes enormes, enormes corações, porque que são tão somente aqueles homens mais ou menos inteligentes, mais ou menos intelectuais, mais ou menos de esquerda, mais ou menos anarquista, mais ou menos poetas. O menor sou eu, mais ou menos autodidata, mas todos autênticos Cariocas queiram ou não. Está enraizado em cada um; isenção de superioridade é o que lapida dia após dia essa coisa que anda se perdendo por aí, o sentido, a qualidade da amizade. Compreensivo em termos, no âmago das pessoas, no individualismo, na competitividade desvairada, movido por causa das fragilidades comportamentais dos novos tempos. Felizmente entre nós grandes amigos ninguém é mais que o outro, não se precisa ser, a hipocrisia é zero, o maldizer é zero, isso incomoda. Não a nós, que entre uns goles e outros acompanhados de salsichão assado na brasa, acebolado, fatiado, com farofa e pimenta, e com muita conversa boa, é que a gente se entende. E assim, no meio desse bom astral põem-se as palavras de pé, enquanto possível. E pra inveja daqueles, fadados aquela vidinha solitária, por própria culpa, sedentária e repetitiva por situação, vai se levando aqui uma ‘insuportável’ boa vida carioca, ora falando de literatura, ora regurgitando um poema, batucando na mesa de lata ou na caixinha com fósforo, fazendo a vida virar samba. Tudo isso sem precisar espezinhar ninguém. Perfeitamente possível, pois tudo está provado e aprovado aqui, debaixo desse céu azul, que é perda de tempo, perder tempo explicando o prazer que dá o sol, o mar e as gentes daqui. Muitos que se acham entendidos, mas não fazem deles capazes de beber dessas simplicidades, tentam infiltrarem-se, mas amarguram-se, pois sabem que são a pior espécie de gente pra frequentar esses locais, não cabem nessa filosofia, se acham inteiros demais, completos demais, laureados demais, celebridades demais, autointitulando-se os donos da ‘cocada preta’; todos ‘quebram a cara’, são doces que dão travo na boca, no olhar e no sentir. É a empáfia que os identificam longe, mesmo na obscuridade; e como é repugnante vê-los atuar nos entendimentos interpessoais mais simples, valendo-se das metáforas para agredir e as entrelinhas como armadilhas para satisfazerem assim o ego de ar superior e magnânimo. Pior de tudo, é que atraem os pseudos cults, fãs clube, e os baba saco para aplaudi-los, e mais, juntos; vem àqueles considerados mais ou menos amigos deles, considerados amigos dos mais ou menos inteiros, que são piores que os mais ou menos inimigos, ou falsos amigos. Pois os inimigos a gente aplaude, se conhece pessoalmente. Já os inimigos distantes, até há alguns que arriscam por a capa de amigo, mas esses são sem importância ao convívio, não dou crédito. Só depois de eu encarar, de olhar olho no olho. Fora isto; não dá nem pra tentar saber virtualmente. É descartável.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

COVARDIA DÁ NOJO... (mini conto)


Éramos quatro, um em cada cela, nus, num frio de julho potenciado pelo vento frio que entrava pela fresta, fazia doer os ossos. As mãos agulhavam congeladas, como os pés, pisando o chão de pedra úmido. Três já haviam passado pelas mãos dos torturadores. O último, aterrorizado por ser o próximo à ser arguido, (arguição era senha para a tortura), vomitava e chorava copiosamente dizendo que não ia aguentar, que era um covarde.


Então disse-lhe que; o que fizesse ou dissesse sob tortura nunca seria visto como covardia. Covardia era outra coisa, dava nojo. Um exemplo; COVARDIA - é quando o homem não respeita a palavra do outro; e quando para se esconder das verdades que ela traz, manipula-a ou rasura-a, oculta-a, torna-a ilegível ou a faz desaparecer totalmente levando todas as verdades. Isto é tão verdade, que hoje mesmo vomitei por causa de um covarde... E sei que não será a última. Os covardes procriam-se no lodo e viram uns merdas.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

DEUS NUNCA PRECISOU DE MARKETING



Nesses tempos contemporâneos, ‘Ele’ deve assombrar-se sobremaneira com os que ainda seguem clamando exageradamente: ‘Senhor!’ ‘Senhor!’, pretendendo alcançar a ‘Graça’. Mateus diria hoje sem nenhum escrúpulo:


“- Menos minha gente, menos! Nem mais construir grandes templos prova o tamanho da fé, muito pelo contrário; tem causado até muita desconfiança de quais outros meios as organizações e os organizadores conseguem para apresentarem tanta ostentação ao mundo, além do que é tirado dos pobres e até alguns miseráveis fiéis. Quereis provar aos homens que crê ‘Nele’; basta ser caridoso com o teu mais próximo; ter amor no coração e orar contrito. Não imponha a tua fé, você não é superior perante a ‘Ele’ por isso; não jogue um irmão contra o outro; não engane teu próximo com promessas vãs, de que ‘Ele’ salvará, induzindo-o nesse engodo em troca de uma paga do céu, permuta, ou do que quer que seja ao penhor da paz, da tranquilidade e da estabilidade do homem entre as coisas da vida terrena. Ao menos seja um homem digno, basta, pois as salvaguardas da vida celeste eram para os seres puros, esses, que hoje não há mais?”


Findo o sermão, montou na sua motocicleta de 1.100 cc e foi orar no deserto.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

BOLA CINCO; NA CAÇAPA DO MEIO...

Em pé na calçada, e espremido numa multidão de marmanjos engravatados e de discretos tailleurs e uniformes das secretárias e funcionárias; moças lindas, perfumadas, esguias e alongadas pelos saltos scarpin verniz. Naquele momento quase todos tinham a mesma intenção; à volta ao lar, menos eu, mas isso não vem ao caso, o que importava é que aguardávamos pacientemente o sinal verde do semáforo. Inda mais agora, que os técnicos da engenharia de tráfego instalaram em caráter experimental os tais counters junto às sinalizações verticais, se tem o tempo cronometrado apenas de sessenta segundos para se atravessar pela faixa de pedestres as quatro pistas largas da avenida, ela que é a principal via que rasga o centro comercial da cidade ligando as zonas norte, oeste e sul, terminando no lado mais leste, na litorânea; a outra que serpenteia o lado norte da baía percorrendo-a desde o cais na zona portuária até as praias ao sul e oeste da cidade, e depois permitindo a interligação com todos os municípios.
Diariamente neste horário de rush as vias centrais são mesmo movimentadíssimas, normalmente o trânsito fica apressado, nervoso, e o excesso de sinalização acaba por embaralhar mais ainda. Já não sei se; se ganha ou se perde com tanta modernidade posta nesses monitoramentos, sinto que tecnologia está cada vez mais a serviço da cidade, com os gráficos estatísticos de fluxo de trânsito do que com o bem estar dos citadinos. A cidade é esse organismo vivo que não pode parar, e por isso tratado tudo e todos linearmente num gráfico. Acredito até que a preocupação com os indivíduos seja insignificante, no entanto; somos as células, o principal organismo vivo, que faz a cidade viva.

Noutra ocasião, no mesmo local, estive reparando que o tempo de travessia para uma pessoa andando a passos de normais a ligeiros, é ínfimo para se fazer todo o trajeto num só golpe, impossível de ser completado no tempo estipulado, por isso; inábil a idosos, cadeirantes, gessados, e deficientes visuais. Vi que os obrigavam a ficar esperando um novo tempo na faixa central entre as pistas para poderem completar a travessia sem o risco de serem atropelados pelos afoitos motoristas.


A educação do trânsito aqui é péssima, e as autoridades não tomam medidas coercivas sérias para coibir os abusos praticados pelos condutores, ‘os maustoristas(sic)’ de toda a sorte de veículos, cujas imprudências aleijam e ou ceifam vidas inocentes. Infratores contumazes pela falta de uma lei severa sabem que ficam impunes de condenação, ou quando muito; punidos com multas de valores tão ridículos que praticamente incentiva-os a outro delito grave, ao invés de respeitarem.

Faltavam quinze segundos, quando meu olhar advertido pelo sentido de percepção flash das coisas do cotidiano, me chamou à atenção para o outro lado da calçada. Um homem saltara do taxi, e caminhava, quando de repente cambaleou, caindo entre uma grande lata de lixo, sacos com restos de comida postos fora pelos restaurantes, e o poste de iluminação na esquina duma pequena ruela com quiosque de flores no meio e que bifurcava na via principal cuja iluminação já era precária, devido uma lâmpada apagada. Alguém mal intencionado havia quebrado-a tornando o lugar por natureza deserto, mais ermo ainda do que de costume. Foi quando vi dois vultos aproximarem-se, e revirava os bolsos do homem que parecia não mais agonizar. Sorte que apareceu repentinamente uma viatura policial, flagrando-os e prendendo-os. Simultaneamente, chega outro socorro, a ambulância com paramédicos. Mais não deu para ver, pois o fluxo de veículo aumentara a frente por causa do congestionamento.

Como sempre, o centro da cidade esvazia-se rapidamente poucas horas após o término do expediente comercial; bancos, lojas e escritórios. Rapidamente as filas de passageiros nos terminais dos ônibus vão diminuindo, e outras no plano horizontal vão se formando nas calçadas, de gentes de rua, fétidas, e seus panos velhos sujos enrolados pelo corpo, roupas surradas, trapos de cobertores baratos. De destinos ignorados uma grande população de rua aparece como saídos de tocas, como ratos. Chegam parecendo formigas gigantes carregando folhas nas costas, eles, pedaços de caixas de papelão e outras tralhas, êxodo de um amontoado de velhos e jovens; homens, mulheres e crianças que vão se espalhando pelo chão, território demarcado, perigoso, quase sagrado, e que é disputado às vezes com a morte de um invasor.

Estão em toda a parte, nas praças, debaixo das passarelas de pedestres, viadutos, preferencialmente no centro, mas já começam tomar de assalto os bairros circunvizinhos ao centro da cidade, e é caso sabido das autoridades que fazem ’vistas grossas’. É um processo de descaso e permissividade irritante e nojenta, nada fazem os agentes do serviço social, no mínimo recolhê-los, encaminhá-los a instituições de apoio e reabilitação e desintoxicação de álcool e drogas, mas não; deixam proliferarem nesses guetos de asfalto, mendigos, drogados e prostitutas decadentes que optaram viver em grupos para se protegerem do frio, da noite e de uma infinidade de maus tratos que sofrem dos vândalos noturnos. Por isso é que cada vez mais se instalam em lugares mais movimentados, debaixo das marquises, nos bancos de espera; lugares que fazem de camas, alcovas e lares, os cantos das paredes dos prédios e canteiros; fazem de banheiros. São locais que fedem a urina e fezes, o cheiro é nauseabundo até para quem passa ao largo ou do outro lado da rua.

Voltei o olhar o homem caído. Ao sinal verde, caminhei ligeiro para o local onde ele estava, e mesmo impedido ante a fita de isolamento, deu para eu notar que ainda estava lá, e apesar de estar debruço, talvez do mesmo jeito que havia caído, dava para ver que era um idoso, aparência de bem cuidado, cor parda, cerca de setenta anos, vestindo terno e paletó cinza claro, sapatos pretos, meias brancas, ao seu lado uma pasta de couro cru que o policial abrira e olhava alguns documentos. Pegou-os e caminhou na minha direção, onde estava mais iluminado. Aproximando-se, cumprimentei-o e perguntei o que houvera com o homem, pois o vi soltando do taxi, deu alguns passos e caiu, estando assim a mais ou menos um minuto, o tempo do semáforo mudar de cor. Respondeu-me, que de acordo com os paramédicos ele está morto, e que constará no relatório do atendimento médico e do boletim de ocorrência policial como sendo enfarto radical do miocárdio. Conforme o laudo; quando ele bateu no chão, já estava morto. Disse-me que como policial e acostumado com o triste cotidiano, esse o deixou estarrecido por um detalhe; de acordo com os documentos que havia verificado, hoje tinha sido o primeiro dia dele como aposentado.

Agradeci as informações, pois agitaram a minha curiosidade desde lá do outro lado da avenida com o semáforo vermelho. Segui o meu caminho, fui para o meu bar preferido, sentei à minha mesa preferida, e bebi minha cachaça preferida com os meus amigos preferidos... Soube depois pelo dono do estabelecimento que o morto também era freqüentador assíduo, mas num horário mais cedo.


Bom, foi igual jogo cantado, coisa anunciada; bola cinco, caçapa do meio, e foi pro saco. Ele era a bola da vez. Olhei pra mesa e estavam lá a seis e a sete. Quando a sinistra entra no jogo não adianta mudar de bar nem de mesa, e quando o taco está na mão ‘dela’, é sempre uma sinuca de bico. Por via das dúvidas, sugeri que voltassem todas as bolas pra mesa. Pra ganhar tempo.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

PATO DOURADO, BAR E RESTAURANT

Eu acabara de sair da agência de automóveis com o último tipo Sport da série de importados de luxo. Parei no recuo do calçamento à frente do restaurante, o porteiro aproximou-se, segurou a porta do carro, chamou-me de doutor. Sorri. Pediu-me a chave. Disse-lhe que naquele modelo não havia chave para alguns procedimentos. Por exemplo; a abertura das portas e ignição era por comando de voz, e que por hora estava codificado provisoriamente em; 1, 2, 3 para abertura das portas, e 4, 5,6 para dar a partida, acender faróis e alternar a suspensão.

Pelo rádio transmissor, chamou os manobristas e ouvi-o dando as instruções aos dois.
Num gesto com a mão indicando a direção, convidou-me a entrar. Prontamente dois rapazes uniformizados de motorista de madame, bacanas mesmo, aproximaram-se e levaram o carro. Já de costas, vi-os quando saíram numa arrancada acelerada que me arrepiou da nuca ao esfíncter anal.

Antes dos três lances de escada, na lateral direita da entrada, dois grandes vasos de bronze plantados no centro com palmeiras Lacca, raras, originárias de Borneo, ornadas em volta do caule com arbustos baixos e exóticos, que iluminados de baixo para cima por pequenos refletores de luz verde, refletiam sombras fantasmagóricas na parede de pedra grená. Entre eles, uma moldura dourada, com a inscrição; ‘O cardápio’, ‘Especialidade da Casa - Pato’. Achei estranho... Mas segui em frente.

Subi os três lances de degraus, e ao aproximar-me, as portas duplas de madeira maciça do salão abriram-se rangendo como num passe de mágica. O ambiente era guardado por dois gigantes afrodecentedentes elegantemente vestidos com ternos e camisas pretas e gravata prateada, que hirtos, apenas acompanharam-me com seus grandes olhos brancos quando passei. Entrei no primeiro ambiente. Era um ‘american’ bar estiloso, banquetas altas de couro tingido de azul Royal e pés dourados. Um balcão de mármore preto com tampo de vidro. Há poucos centímetros da altura da cabeça de quem estiver sentado; copos e taças de cristal reluzente, dependurados assimetricamente, escondendo parte do rosto de quem estivesse do outro lado do balcão, como no caso; dos olhos para cima do barman enquanto eu passava. Continuei caminhando pelo tapete vermelho até o fim do balcão que dava para ver o outro salão, praticamente vazio, apenas um sommier com um colchão d’água centralizado no ambiente e iluminado apenas por um forte foco de luz xenon, um luxo só. Nisso; abre-se uma porta de vidro espelhado, e, antes o que era um vulto caminhando ligeirinho em minha direção, surge na minha frente uma louraça de corpo escultural. Pensei até que fosse a Kátia Flávia, Belzebu, Godiva do Irajá do Fawcett; blusinha de seda transparente com decote até o umbigo, uns seios ma-ra-vi-lho-sos, coxas grossas; pra lá de uns quilinhos extras, ficavam-lhe bem, nem vou falar da bunda. Ah! Que bunda! Ela cumprimentou-me com um sorrisinho... ‘oi’, respondi-lhe... ‘olá’, e fui logo falando da minha necessidade, que precisava falar com o proprietário do estabelecimento.

Ela puxou uma cadeira e pediu-me que sentasse e aguardasse. Era uma mesa com dois lugares de frente para o bar. O barman inclinou-se e cumprimentou-me com um ‘boa tarde’ seco e perguntou se eu desejava beber algo. Ofereceu-me; whisky, cerveja, respondi-lhe que água gasosa estava bom, outra bebida, principalmente alcoólica, não, pois estava a serviço. Servido pelo garçom, vestido igualmente como os porteiros e os garagistas. O ‘maitre’, que apareceu sem eu notar, vindo da extremidade contrária de onde saiu a loura, vestido tão elegante quanto os guardiões do salão, sem me dirigir uma única palavras, chamou o garçom, entregou-lhe um enorme Cardápio de couro, grená, com inscrições douradas, vieram juntos até mim, o qual o abriu na minha frente. Mais luxo. Não estava entendendo, não era meu propósito comer, nem beber nada, aliás, era um serviço de luxo que eu não podia pagar, e ainda mais; não suporto patos, só aqueles que eu e a minha turma comíamos lá na escola...

Mas interrompendo a minha viagem na adolescência, o ‘maitre’ finalmente abriu a boca, gentilmente disse para eu ficar a vontade que era tudo por conta da casa. E que se eu precisasse de ajuda na escolha ele sugeriria; ‘Pato Dourado’. Então comecei a pensar que certos restaurantes de luxo são cheios de frescuras, e que se eu tivesse grana mesmo, ia querer que o estabelecimento me desse o mesmo tratamento luxuoso e cordial pra quem não comia pato. Mas isso são apenas conjecturas que não vão de forma alguma atrapalhar a minha missão. O meu patrão mandou eu entregar o carro ao comprador, faz parte do contrato que a entrega fosse em domicílio.. Fodam-se os patos e marrecos... Pois eu estou mesmo, é doido para passar lá no Mc Donald e atracar um ‘sanduba’.

Mas a curiosidade fez-me chamar o garçom novamente, e perguntar-lhe se eles serviam outros pratos além dos patos. Respondeu-me tão rápido quanto minha a pergunta. Parece que estava tudo ensaiado. Disse-me, sorrindo, que estava autorizado a servir-me em tudo eu desejasse e com todo o luxo, e mais a mulher dele que me acompanharia, caso eu precisasse de mais alguma coisa. Dependia apenas da minha vontade de aceitar as condições estabelecidas pelo seu amo, e no convívio de servi-lo no sommier. Não é que eu comecei a gostar de pato dourado!