Mas toda sexta feira é assim, é de praxe. A tarde, a noite, e até a madrugada é longa.
Ouvem-se os primeiros acordes desconexos, afinavam os cavaquinhos, o violão, um tan..tan.. aqui e outro ali, o vocal dá duas porradinhas no microfone, solta o famoso; “alô... alô..., um, dois, três, testando”, pigarreia e começa a cantarolar, afinando a voz, acompanhado pelo quarteto.
O ritmo era inconfundível. Pagode partido alto. A batucada foi esquentando, fazendo fundo musical, o cantor empolgado, cumprimentou a platéia:
- Boa tarde para todos. Sejam bem-vindos ao Amigos da Vilas.
- O Grupo Pinima, agradece a oportunidade de poder apresentar algumas músicas que estamos preparando para o nosso próximo CD.
- Agora, um pagodinho só pra divertir vocês, segura aí! E soltou a voz.
Mas a letra... Meu Deus! A coisa das mais esdrúxula, porém, sem deixar de ser hilariante para qualquer um, ou para alguém que pudesse ouvir naquela tarde, batucada, depois de algumas tantas biritas.
ziriguidum paraquitum ta ta (introdução)
Se eu ser-se
Uma barbuleta doirada
Das zarza azulDa cor dos zargodão
Eu vivia dando vortas nas lâmpidas
Só pra dize, não sei cende
Um pau de fósfiro
Ardevolve amor
Ardevolve peste
Ardevolve o estandarte
Que eu ti déste
(estribilho)
Barbuleta não sou!
Se eu ser-se?
Barbuleta não sou!
Se eu ser-se?
Barbuleta não sou!
Se eu ser-se?
Encerrando a "música?" neste refrão os batuqueiros quase que incendiavam seus instrumentos; batendo os pandeiros, repenicando o tan tan, o bumbo, acompanhados pelas batidas das palmas das mãos dos presentes.
Aliás, era a parte mais vibrante da apresentação.
O andamento do ritmo era mesmo contagiante.
Numa mesa isolada, protegida por uma peça tipo biombo, estava sentado um indivíduo pesando cento e dez quilos aproximadamente, alto, cabelos avermelhado, vestindo calça de linho branco, sapato mocassin da mesma cor sem meias, e uma camisa aberta, vermelha, de algodão com estampas de orquídeas brancas.
Mas o que chamava a atenção mesmo era que ele usava; uma pulseira de duas voltas e um cordão de metro. As jóias, com no mínimo, um dedo de espessura, e um Rolex. Todas possivelmente de ouro. Um tremendo figuraça.
Se não fosse, mas certamente era, bicheiro, ou presidente de escola de samba, chefe de milícia, as três coisas, e mais algumas outras. Poder ele tinha. Só com um bom lastro, garante-se andar aqui com todas aquelas ostentações douradas.
Sereno como um tanque de guerra, mirou o Rolex, conferiu as horas, levantou-se, olhou sobre o biombo, e permaneceu de pé olhando fixo para além da porta de entrada. Simultaneamente todos também olharam para o outro lado da rua.Estava acontecendo uma metamorfose coletiva.
Após ter estacionado com dificuldade a sua Ferrari vermelha em frente ao bar, mas lá do outro lado da rua, a mulata veio chegando, sestrosa, como diz na roda; um tremendo avião. Cabelo rastafári, vestidinho de malha branca quase transparente, sandalhão plataforma prata. Um mulherão.Um malandro pé de chinelo prostrou-se no balcão, no corredor principal, onde ela passaria obrigatoriamente, ali ficaria para tirar uma onda com ela, dar-lhe uma cantada. E para chamar a atenção gritou com o garçom e pediu:- Bota um limão aí, parceiro! - Mas não me venha servir refresco não! - Eu quero limão fruta espremido na hora, cachaça, num copo de 200 ml e sem gelo.
Para os entendidos, é uma bebida de macho. Bom, sei lá! Já vi gay tomar essa “porra”, mas enfim; dizem que para uma coisa ou a outra tem que ser muito macho mesmo. Bom deixa pra lá.
Aquele monumento de mulher entrou no estabelecimento, de nariz arrebitado, comum do tipo, quando quer chamar atenção, e de se mostrar gostosa. Sem olhar para o lado foi passando quase que por cima das pernas dos seus admiradores.
O malandro, mais audacioso, tentou impedi-la de passar, e ela com um simples olhar de desdém, vociferou:
- Sai da frente seu merda!
– Cretino!
– Babaca!
Não deu tempo nem do sujeito abrir a boca. Desmoralização total, noventa e nove por cento dos “biriteiros” presentes ficaram às gargalhadas. Só quem não riu foi o mudinho vendedor ambulante sentado na soleira da porta, e o cafetão, espumando pela boca.
Ela continuou o seu desfile até o meio do recinto, aproximou-se do biombo e cumprimentou o indivíduo abraçando-o. Sentaram-se. Ela cruzando as pernas e deixando em exposição e sem cerimônia suas maravilhosas coxas.
Poucos minutos depois, notava-se que pela rudeza dos gestos, que a conversa dos dois não estava lá sendo muito amistosa. Ela levantou-se abruptamente, e com o dedo em riste abriu o verbo em alto e bom som:
- Qual é a tua Cadinho?
- Ta ficando sovina agora é?
Em tom mais alto ele respondeu, mas sem se levantar:
- Cala essa tua boca de vagabunda!
– Ta pensando que tu é o quê?
- Olha aqui Cadinho...
- Tu não pode me tratar assim não, ta!
- Não tratar assim o quê... - Tu agora é uma piscina doméstica, pouco uso e manutenção cara!- Não me encha mais o saco mulher!
– Quer dinheiro?
- Vai se virar!
- E tem mais, pare de ficar na minha cola!
– Vou acabar te dando uma coça pra aprender.
- Mas Cadinho meu amor... Você está nervoso!
- Nervoso é o cacete...
- Sai fora, e deixe aqui a chave do carro! – Não vou dormir em casa!
- Mas como é que eu vou voltar para casa?
- A pé!- É...
- Vai a pé... – Sua piranha safada!
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