terça-feira, 16 de junho de 2009

TÃO FRIO QUANTO A BRISA


Farto dos dias nefastos isentos de poesia, o velho homem sentou-se na cadeira espreguiçadeira no quintal, ao ar livre, num atalho disfarçado de sossego, a fim de enganar o corpo cansado, do calor que ainda fazia até àquelas horas da noite, e cochilou.
Ao lado dele sobre a mesinha auxiliar de jardim, seus vícios proibidos; uma garrafa de bebida forte consumida até a metade, com o copo emborcado no gargalo. Metade de uma cigarrilha apagada no cinzeiro, a última, das três adquiridas diariamente, e nessa quantidade, para evitar o abuso do fumo.
Dos lícitos; o rosto do seu amor, sua amada, retratada na fotografia sépia, posta no velho portarretratos de metal zinabrado, com o mesmo sorriso maroto e olhar seguidor congelado, direcionado para dentro da saudade. Aquela mesma saudade desenhada desde que o deixou.
Juntos; sua caneta dormitava próxima ao fiel caderno de anotações, sonolento, de folhas embeiçadas, capa desbotada, lombada e seixas carcomidas pelo tempo de manuseio diuturno.
A madrugada engoliu a noite, e a brisa folheava-o aleatoriamente, descortinando os segredos ali apostos, incitando os sonhos que rondavam o sono que lhe chegara muito profundamente.
Seguia a vida a mercê das forças da natureza, do momento, indivisível, toda a sua trajetória sendo desvendada e espalhada pelo chão desordenadamente, naquele instante único e derradeiro.
Relíquias guardadas em cada página, tesouros que seus dedos cristalizaram em versos, poesias.
Como se pedras preciosas fossem, assim como; seus poemas de amor, que não vai precisar mais guardar.
Seu corpo jaz tão frio quanto à brisa.
O poeta está morto, mas deixa imaculada a sua poesia.