quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A ENTREVISTA


Falava ao telefone, dava para ouvi-lo além da porta de vidro. Vociferava como se discordando de alguém do outro lado da linha. A campainha da porta principal soou duas vezes antes dele desligar, o que fez apondo abruptamente o fone na base. A demora não levou mais que um minuto para que o homem fosse atender.Quando ele abriu a porta, à sua frente estava uma jovem mulher. Melhor dizendo; uma menina maquiada de mulher. Vestia um tailleur marinho, sapatos de verniz com salto Luiz XV que a fazia mais alta e mais velha. Ela achava que precisava parecer assim para impressionar na questão da altura, talvez por pensar que ser alta era sinônimo de adulta. Da blusa de voil bege decotada, uma leve abertura, provocada por uma nesga, dobra natural do modelo, que permitia ver frações dos pequenos seios, firmes, com aquele frescor normal da tenra idade, pousados num colo perfumado de pele alva e aveludada.Antes que dissessem alguma coisa um ao outro; o que seria normal entre desconhecidos, por exemplo: um simples cumprimento de recepção; um “bom dia” ou, “como vai”, ou “que deseja”. Mas não, os dois ficaram ali, em pé na porta, olhando-se profundamente, absortos por alguns segundos antes de quaisquer outras palavras.O telefone tocou novamente. Assustaram-se como se despertados de uma viagem em outra dimensão.Ele correu até a escrivaninha, mas deixando a porta aberta. Também com ela plantada na soleira, não poderia fechá-la mesmo, a não ser que a deixasse lá fora com a porta no nariz. Isso não faria mesmo.Atendeu a ligação, mas atento aos movimentos dela. Olhando em direção da moça através da porta de vidro refratário que separava o seu gabinete da ante-sala, e a sala de recepção, acenou, gesticulou com a mão, e pediu para que ela entrasse e sentasse. O que ela fez sem cerimônia. Sentou-se numa Recamier Capitonê estofada de veludo grená, cruzou as pernas elegantemente, torneadas e sensuais, valorizadas por meias finas preta suavemente rendadas.Ele a olhou sobre os ombros tampou o fone com uma das mãos, baixou o tom da voz, e pediu para que ela o aguardasse uns minutos mais até que concluísse o atendimento. Ela concordou sacudindo a cabeça afirmativamente.Enquanto o esperava percorria com o olhar tudo a sua volta, fazendo uma expedição aos detalhes do local. Apesar das instalações serem modernas, o mobiliário de estilo clássico, impressionava o brilho pelo excelente estado de conservação; mesas com pés torneados, cadeiras estofadas de veludo, relógio carrilhão, abajures com bases sendo de imagens de querubins em mármore de Carrara, tudo demonstrando muito bom gosto, mesmo que conflitantes com os acessórios modernos como; computadores com monitores de LCD, telão para vídeo conferências, frigobar de aço inox, e mais outros petrechos para conforto dos usuários no âmbito comercial. Ela estava extasiada com que vira, fazia planos, caso tudo desse certo. Afinal não dependia de ela ser aceita para o serviço. Aliás, mesmo sabendo estar habilitada para qualquer função, não fazia preferência de cargo. Apesar de nova na idade, parecia ter bastante experiência ou treinamento qualificado. Ali, naquele átimo da espera ela arrumava os pensamentos preparando-se para as ações a fim de agradar o seu entrevistador.Ele olhava-a com encantamento. Ela já havia percebido, demonstrando ser também experiente em sedução. Mulher do tipo independente, disposta de querer predeterminado.Para ele, só um estranho sentir, pois era um homem maduro, vivido, descompromissado e acostumado a entrevistar muitas mulheres; profissionais ou não, novas, velhas, e de várias classes sociais. Mas, nesta havia algo que lhe chamava a atenção, uma atração quase que sobrenatural.Terminada a ligação, dirigiu-se à moça. Ela levantou-se. Num gesto rápido, pediu que ela permanecesse sentada e que ficasse a vontade. Puxou uma cadeira, sentou-se frente a ela. Tomou posse de uma pequena prancheta, presa nela, uma pequena ficha e duas folhas de papel pautado. Sem olhá-la, perguntou-lhe o nome, quem havia feito a indicação do escritório dele... Isto é; o profissionalismo havia tomado conta da situação depois do espasmo emocional acontecido com os dois naquele encontro inesperado. Com a mesma seriedade ela atendeu-o. Abriu a bolsa, pegou o cartão da pessoa que a tinha indicado. Era um amigo dele.Com respostas precisas, foi respondendo as perguntas formuladas. Enquanto transcorria a entrevista, notava-se um semblante de satisfação em ambos. Arguida sobre sua qualificação profissional, ela fez demorar alguns segundos, e mesmo assim não o satisfez com a resposta. Ao invés, ela esticou o braço e entregou-lhe um envelope branco grande. Detalhe; suavemente perfumado. Era o Currículo. Ele pegou-o e disse para surpresa dela, que guardaria para análise posterior, o que queria mesmo de imediato era passar logo para as informações sobre as tarefas pertinentes as atividades do seu escritório.Adiantar-se assim antes dela ser dada como aprovada da entrevista, era um procedimento totalmente equivocado. Mas procedeu dessa forma. Afinal era o dono do negócio. E isso como se sabe, é fundamental para o fim de qualquer entrevista.Antes da resposta, torceu o tronco para o lado esquerdo e pôs a prancheta em cima da mesa, mas ficou com uma das duas folhas na mão, e em silêncio, leu atentamente suas anotações.Antes do final da leitura, ainda com a cabeça baixa, olhou-a por baixo das sobrancelhas, deu um ligeiro sorriso, pegou a segunda folha, e após um suspiro, sacou do bolso único da camisa branca de linho, sua caneta tinteiro de madrepérola com pena de ouro, e rubricou-as. Fez uma leve pausa e informou-a da aprovação para o cargo. Deu-lhes os parabéns, e agradeceu por ela ter vindo. Continuaram sentados, e já numa conversa informal, confessou que tinha entrevistado mais de dez candidatas naquele dia, algumas até com mais experiência de trabalho, mas não com os conhecimentos gerais e a desenvoltura dela, isso era preponderantemente importante para o sucesso da escolha. Precisava de alguém com liderança, e boa aparência sim, mas que ela tinha ultrapassado as suas expectativas. Porque afinal, no convívio diário, para lidar com ele eram necessários alguns predicados acima dos normais.Mas uma vez ela surpreendeu-o. Perguntou por onde ele queria que ela começasse.Ele sorriu. Repousou a mão no queixo, olhou-a, e sorriu novamente, e perguntou onde ela gostaria de almoçar. Com a experiência abrangente dela, respondeu-lhe que; para ela, para não quebrar-lhe a rotina, seria importante ser onde ele estava acostumado a sentir-se bem. Nada mais falou, nem ele. Que ligou para o manobrista, pedindo que trouxesse o carro urgente. Um sedam preto de luxo, do ano. Saíram do elevador de mãos dadas, entraram no carro, e rumaram para a casa dele. Duas semanas depois, voltaram de um cruzeiro pelo litoral, presente de lua-de-mel, e recomeçaram logo as atividades do; “ELE&ELA Escritório Matrimonial”.Depois do casamento a empresa prosperou por força da propaganda mais que convincente feita com personagens verdadeiros, e com um novo slogan: “Nossa empresa não contrata dublês.

domingo, 4 de janeiro de 2009

...SEGUNDOS NOVOS


...SEGUNDOS NOVOS
Num átimo, o primeiro passo da madrugada do novo ano, e lá estava o homem sentado à beira mar, só, absorto, remoendo os últimos maus acontecimentos do ano findo. Os dele, comum a todos, foram consumados. Pendente apenas um, do corpo. Por ora, a fé e a figa à prova desde já. Dos seus entes a sua volta, dos poucos amigos onde o abraço alcança, e com os outros não tão, mas sentidos próximos como se, passaram sem pendências. Assim soube, motivo suficiente para sobressaírem às tênues rugas de expressão provocadas pelo modesto sorriso.No olhar, uma espécie de beijo muxoxo, alegria distraída, camuflada na brancura da espuma misturada a areia que lhe beijava os pés. Num vai e vem, vinham juntos certa nostalgia de esperança, e os restos das oferendas devolvidas pelo mar trazidas pelas ondas cálidas e calmas de verão. Certo de que estava só, chorou, e o sal das suas lágrimas misturou-se ao mar, e assim, escondeu os vestígios daquele seu momento de emoção.E ali permaneceu ele, sentado à beira mar assistindo de longe toda essa coisa grandiosa que é o adeus do ano velho e a chegada do feliz ano novo. Manifestação contagiante, explosão do povo, euforia, festa que ele não conseguia naquele momento nem absorver, nem dividir plenamente... Os olhos ainda mareados, mas o pensar aguçado. Fulgia no seu rosto o colorido dos fogos de artifícios vindos do céu, saídos do mar, e as perguntas começavam a brotar com o mesmo fulgor:Tantas luzes assim... Será que realmente é para iluminar o ser, como propagam por aí? Ou a abundância de clarão é para cegar-nos das verdades que desfilam frente aos nossos olhos? Estrondos, ecos, estampidos, inimagináveis ruídos... Será para acordar-nos para uma realidade que teimamos não aceitar, ou é para que não escutemos os lamentos daqueles sem voz, ou para abafar os nossos clamores, nossos próprios ais? Será que há outro interesse além do cumprimento ao evento cultural de festejar? Ou há interesses outros com o intuito de propaganda pra si; governos, igrejas, instituições?...No chão, toneladas de garrafas vazias, vestígio incontestável do uso indiscriminado da droga lícita, cujos conteúdos foram consumidos para adormecer a razão, em prol da emoção da contagem regressiva até a transição atingindo milhões de memórias. E dependendo da resistência de cada indivíduo; efeito duradouro em alguns segundos, minutos, horas ou para sempre nos excessos.Os olhos, esses sim, mesmo sonolentos, fixos, testemunhando os fatos, fotografando qual uma lente grande angular todo aquele povo, lá, extasiados, hipnotizados, boquiaberto engolindo ar, esquecendo pelo menos por alguns minutos; das suas doenças, da fome, da guerra, das prisões injustas, do abandono das crianças e idosos... O ano começou, são segundos novos, e nem tudo há de começar cinza como esse pensamento enraizado, havia naquele homem ao menos uma coisa bem vista e colorida para começar... Vestia uma bela camisa de chita, estampada de flores tropicais.Há previsões dos especialistas em clima mundial que 2009 será um ano quentíssimo.Bom!... O tecido é de puro algodão. Portanto; conveniente. Os fogos cessaram. Então o homem levantou-se, destampou sua garrafa, e pelo gargalo mesmo, sorveu de uma vez só mais da metade da sua droga, e com ela, afogou a pouca alegria que tinha, e junto, a tristeza instalada que não resistiu, dormiu com ele na areia.