domingo, 4 de janeiro de 2009

...SEGUNDOS NOVOS


...SEGUNDOS NOVOS
Num átimo, o primeiro passo da madrugada do novo ano, e lá estava o homem sentado à beira mar, só, absorto, remoendo os últimos maus acontecimentos do ano findo. Os dele, comum a todos, foram consumados. Pendente apenas um, do corpo. Por ora, a fé e a figa à prova desde já. Dos seus entes a sua volta, dos poucos amigos onde o abraço alcança, e com os outros não tão, mas sentidos próximos como se, passaram sem pendências. Assim soube, motivo suficiente para sobressaírem às tênues rugas de expressão provocadas pelo modesto sorriso.No olhar, uma espécie de beijo muxoxo, alegria distraída, camuflada na brancura da espuma misturada a areia que lhe beijava os pés. Num vai e vem, vinham juntos certa nostalgia de esperança, e os restos das oferendas devolvidas pelo mar trazidas pelas ondas cálidas e calmas de verão. Certo de que estava só, chorou, e o sal das suas lágrimas misturou-se ao mar, e assim, escondeu os vestígios daquele seu momento de emoção.E ali permaneceu ele, sentado à beira mar assistindo de longe toda essa coisa grandiosa que é o adeus do ano velho e a chegada do feliz ano novo. Manifestação contagiante, explosão do povo, euforia, festa que ele não conseguia naquele momento nem absorver, nem dividir plenamente... Os olhos ainda mareados, mas o pensar aguçado. Fulgia no seu rosto o colorido dos fogos de artifícios vindos do céu, saídos do mar, e as perguntas começavam a brotar com o mesmo fulgor:Tantas luzes assim... Será que realmente é para iluminar o ser, como propagam por aí? Ou a abundância de clarão é para cegar-nos das verdades que desfilam frente aos nossos olhos? Estrondos, ecos, estampidos, inimagináveis ruídos... Será para acordar-nos para uma realidade que teimamos não aceitar, ou é para que não escutemos os lamentos daqueles sem voz, ou para abafar os nossos clamores, nossos próprios ais? Será que há outro interesse além do cumprimento ao evento cultural de festejar? Ou há interesses outros com o intuito de propaganda pra si; governos, igrejas, instituições?...No chão, toneladas de garrafas vazias, vestígio incontestável do uso indiscriminado da droga lícita, cujos conteúdos foram consumidos para adormecer a razão, em prol da emoção da contagem regressiva até a transição atingindo milhões de memórias. E dependendo da resistência de cada indivíduo; efeito duradouro em alguns segundos, minutos, horas ou para sempre nos excessos.Os olhos, esses sim, mesmo sonolentos, fixos, testemunhando os fatos, fotografando qual uma lente grande angular todo aquele povo, lá, extasiados, hipnotizados, boquiaberto engolindo ar, esquecendo pelo menos por alguns minutos; das suas doenças, da fome, da guerra, das prisões injustas, do abandono das crianças e idosos... O ano começou, são segundos novos, e nem tudo há de começar cinza como esse pensamento enraizado, havia naquele homem ao menos uma coisa bem vista e colorida para começar... Vestia uma bela camisa de chita, estampada de flores tropicais.Há previsões dos especialistas em clima mundial que 2009 será um ano quentíssimo.Bom!... O tecido é de puro algodão. Portanto; conveniente. Os fogos cessaram. Então o homem levantou-se, destampou sua garrafa, e pelo gargalo mesmo, sorveu de uma vez só mais da metade da sua droga, e com ela, afogou a pouca alegria que tinha, e junto, a tristeza instalada que não resistiu, dormiu com ele na areia.

Um comentário:

Vigilante disse...

Muito bonito o seu escrever... envolvente e sentido.

Obrigado pelas palavras no meu blog.

Felicidades e um bom 2009 para si.